quarta-feira, 9 de maio de 2012

Não sou deus.

Esses dias me peguei observando a vida. Parei por uns momentos e comecei a reparar as situações do dia-a-dia como se eu não fosse participante dele. Fiz isso como se estive exilado do mundo, vendo a vida de cima, suspenso pela pausa.
Estive pairando por aí. Me sentindo eterno e onipresente.
Não vivenciava o tempo de acordo com a ordem cronológica própria, pois não via as situações relacionando-as com um passado carregado de emoções. Não lembrava da minha origem, não me sentia envelhecer, não tinha saudade, nostalgia, tampouco tinha medo da morte. Observei a vida como um juiz. Seguro de mim  e imparcial, muito embora atribuía os devidos valores às relações e aos hábitos, segundo uma ética própria.
Também não me sentia pertencente a nenhum lugar, mas conseguia ter o privilégio de presenciar diversas situações ao mesmo tempo (que tempo?).
Eu presenciava. Mas não era uma presença que ocupasse um espaço, não era algo ligado a matéria. Eu apenas estava lá, e às vezes com a sensação de que algumas pessoas me percebiam no ambiente, mesmo eu tendo a certeza que eles não me viam. Eu presenciava. Mas não era no tempo presente, nem sabia qual era a relação entre passado, presente e futuro. Eu apenas pairava sobre tudo e todos. Via as situações sem precisar recorrer a minha memória, nem me esforçar para me lembrar da seqüência temporal das coisas.
Nesses dias comecei a reparar mas em como as pessoas gastam o seu tempo. Quantas coisas poderiam ser mais justas e verdadeiras; que os sentimentos poderiam ser mais reais e as relações mais duradoras. Vi também que não fiz uma boa escolha em ter parado meu tempo e desespacializado a minha presença, pois a cada situação percebida eu revia todos os meus valores e me deparava com o vão existente entre minhas ações e minha consciência. Percebia, portanto, que se eu fosse guiado pelo que me ensinam ser certo ou errado, ou pelo que julgo de forma não emocional, nem se eu tivesse matéria e cronologia, seria capaz de viver com essa gente.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Batalha

Nas horas que me sinto fraco, me ponho a pensar a fundamental importância de ser. Do próprio sentido de cultivar emoções e sentimentos de mal e de bem. Nos momentos em que não vejo ter forças para superar um erro ou uma perda. Penso sobre o (re) começo e o fim das tantas trajetórias do espírito. Sei que fazem parte do processo de toda história, pelo menos enquanto durar a consciência. Por isso, encaro a morte. Pois ela pode me dar a certeza de que todas essas coisas serão suspensas. O que, de certa forma, não me trará mais o medo da perda, mas o motivo que preciso para não me deixar derrotar no meio da história.

Ora, se toda existência consciente é uma disputa de contrários, não tenho poder de evitá-la, mas sou capaz de alimentar meu caráter através de toda a dor e de toda perda. Duvido que cada ser autônomo deva ser capaz de gerar sua própria felicidade, ou de garantir sua própria história alheia às dores. E se, por um acaso natural, um outro ser externo for capaz de elevar meus sentimentos a plenitude, ficarei bem longe dele. Luto para que a responsabilidade de fracasso seja exclusivamente minha. Não que seja masoquista, mas se fosse o contrário, poderia, portanto, atribuir os resultados a alguém que não existe, me prendendo num campo metafísico. Como não me disponho a isso, sou levado pela mínima coerência a enfrentar os meus juízos. Antes disso, pior, sou forçado a descobrir os meus juízos.

Bom, se é descartada a hipótese metafísica, resta-me procurá-los em alguma tradição. E as primeiras tradições que me apresentam são as familiares. Neste sentido, me vejo muito distante de várias delas, não participo dos ritos mais tradicionais da família, justamente por eles serem baseados em certezas do espírito. Daí entro em outra questão.

Descoberto os meus juízos, enfrento-me todos os dias a fim de me responsabilizar sobre tudo que pude colher de podre. Mas ao invés disso me fazer um perdedor, me oferece a chance de ser uma pessoa melhor, pois tenho ciência de que toda história arrebenta algumas expectativas e que a existência seria nula se não houvesse suas perdas.

Bento Buendia
escrito em 10/03/2011
adaptado em 01/2012.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Sol

Da manhã iluminada
perturbado floresce
o alívio do ódio.

Adormece o dia
crepúsculo da tarde
alude ao ouvido
as sinfonias celestes

A morte do ódio
na noite de lua
transborda o amor
do corpo inflamado

Na noite perturbado
iluminada floresce
a alvorada do dia.

escrito em 10/2008.
Bento Buendia

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Meta-morfose

Apenas não preciso me esforçar, com minha disfarçada hipocrisia, para manter uma certeza de que não tenho; admitindo-se por fim não estar satisfeito por viver uma verdade incerta e, assim, banalizar possibilidades concretas de existência. O resultado de tal descaso é o enfrentamento da vida com a História, e então, o abandono total de todo o rótulo e toda certeza, diluindo o destino numa solução de infinitas possibilidades. E quem sabe assim reconhecer o vulto de quem nunca poderia ter esquecido: a liberdade.

Escrito em 09/2007.
Bento Buendia

Eu sofista

Quem não é sozinho?
o que quer a solidão senão mostrar ao sujeito a sua cara no espelho?
e disso, como se pode fugir ou evitar?
como se pode esconder de si a sua própria face?

Deveria, pois, o espírito sobreviver do antropofagismo?
deveria então sobreviver da dor?
deverá amar o vazio?

A completude da alma dependerá, portanto, do próprio espírito?
dependerá do outro?
do divino?

O vazio só é vazio se for completo de mágoa?
a mágoa só existe se existe a memória?
a memória só se faz do passado? - ou das incertezas e projeções do futuro?

Os porquês constroem as dores?
ou dores independem de dúvidas?
as verdades, que tanto nos constroem, são as certezas de felicidade?

E essa, existe?
a felicidade?
a vida por si, cheia de dúvidas é o motivo suficiente para ser feliz?
esse estado sublime da existência é possível?
o indivíduo acompanhado da sua tumultuada solidão é capaz de encontrar nas dores da memória a completude da alma?

E a paz de espírito?

Bento Buedia
escrito em 08/03/2011

'O Acabamento'

- Tô sentindo muita dor.
uma situação que sinto um nó no peito, bem apertado.
Um vazio que me atormenta no silêncio. No sono.
Que me impede de pensar, de respirar.
Que chama toda a atenção nas horas vagas e me lembra que existe nas horas em que posso esquecê-lo.

- Tô pasmo.
uma sensação de incapacidade, alheia a minha vontade.
um tipo de decepção generalizada. Uma tristeza.
Na qual tudo perde o sentido, a graça.
Que me faz desacreditar do mundo e das pessoas, que questiona novamente o meu caráter quando acabo de aceitá-lo.

- Tô angustiado.
uma inquietação de espírito, inimiga da concentração.
Uma dor que inflama à sua imagem. Uma tortura.
que me lembra tudo perdido, não aproveitado.
Que me conduz a pensamentos de arrependimento e desilusão de toda verdade de ser e possuir.

- Tô cansado.
uma paz estranha, um raio de luz sobre toda dúvida.
um espaço que me distancia do desejo. Uma brisa.
Que me diz que nada é perfeito, tudo caótico.
que me mostra minha vontade como um ideal utópico e me faz digerir toda a merda do mundo.

- Tô envergonhado.
um sentimento contra coragem, antipático ao honesto.
um arrependimento da exposição. Desapontado.
Que me faz ser menos altruísta, egoísta mesmo.
que me lembra de toda a proteção que construí, de toda a casca que crie, para a inocência do amor destruir.

- Tô com raiva.
um ardor potente, motivador de toda a esperança.
um dos únicos caminhos a frente. Tortuoso.
no qual corro rumo ao oásis, sedento.
que demonstra a única faísca de motivação a favor da vida, uma ansiedade de sorriso e satisfação.

Bento Buendia

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A ocasião

Dizem que a ocasião faz o ladrão. E eu concordo plenamente, apesar de questionar muito esses dizeres populares.
Poxa, se a situação for capaz de levar alguém a fazer uma coisa inadequada à sua consciência, no mínimo o seu caráter ficaria desacreditado.
Não estou defendendo que as pessoas não podem mudar seus princípios. Ao contrário, acredito que cada um, à sua maneira, consiga readaptar os seus conceitos às necessidades da vida. Mas também acredito que para isso o sujeito tenha que passar algum tempo em dúvida, pesando as vantagens e desvantagens dos resultados da mudança. Esse é o momento da crise!
A partir desse momento a pessoa se abre para a experiência. Ou seja, ela passa a ver cada situação como um potencial prático.
E, por isso, o 'ladrão' é efetivamente criado pela ocasião que o convida à experiência.